segunda-feira, 23 de janeiro de 2012

Hoje, 23 de janeiro, papai completaria 87 anos...


Foto de papai no São Francisco, em 1988


10 anos se passaram desde que nos deixou.
Hoje sinto uma ausência física, ausência da voz, das risadas e do olhar, as vezes emocionado, as vezes bravo, fulminante, mas a maior parte das vezes, rindo, feliz, fazendo ironias ou piadas com algum acontecimento.
A saudade da amizade, carregada na lembrança de algumas fotos.

Hoje com meus filhos na faixa dos quase 30 anos, penso que poderia te entender mais, conversar mais sobre coisas mais importantes, não perder tempo com discussões sem sentido, numa forma de me afirmar junto a voce.

Bem que vc poderia estar aqui hoje, fisicamente falando, para trocar uma ideia, me dar um conselho...
Hoje com quase 60, as vezes me sinto perdido, inseguro, quando tenho que mostrar segurança e firmeza ao tratar com meus filhos. Tentar explicar a eles que envelhecemos por fora, neste corpo que nos carrega, mas por dentro somos ainda jovens, tentando aprender a lidar com as dificuldades da vida.
Sei que voce fez o melhor, por que eu tambem tento fazer o melhor para meus filhos.
E se hoje eu tento passar para eles o que voce passou para mim, é por que voce soube dar de si, soube doar seu amor, fez de mim uma pessoa, um ser humano, na liturgia da palavra.

quinta-feira, 19 de janeiro de 2012

Crônica de uma morte precipitada



1967. Todo domingo era assim. Acordava cedo.
7 da manhã e lá estava eu a lavar o carro de meu pai. Chevrolet 1954, Bel Air, 4 portas, azul claro com teto branco, comprado de meu tio há 5 anos e extremamente bem conservado. Seus 6 cilindros em linha forneciam espantosos 110 CV com aproximadamente 3000 cc. Três marchas a frente e uma à ré (como se dizia na época) , sendo a segunda e terceira sincronizadas. Era o conforto sobre rodas. Era um Chevrolet.
Algumas quadras abaixo da minha rua, dois de meus amigos estavam fazendo o mesmo.
O Anjinho, ligando a Caminhonete Ford 1949, vermelhona, motor possante de 8 cilindros em “V” com uns 100 CV de força, caixa seca - isto é, mesmo pisando na embreagem se não desse o tempo certo, ainda arranhava para entrar. E o outro amigo, vizinho do Anjinho, GoodTime.
Sua família tinha uma condição financeira melhor e ele ostentava um moderno Aero Willys 1964, modelo Monte Carlo, cinza chumbo, motor de 6 cilindros em linha, com uns 120 CV disponíveis debaixo do capô e, pasmem, caixa de 3 marchas, totalmente sincronizada. Era uma beleza. Bastava pisar na embreagem, com o motor ligado em qualquer rotação, e a marcha entrava suave. Fantástico. Que tecnologia.
Já tínhamos este costume há algum tempo. Eu, como o mais velho dos três, fui quem iniciou este esquema.
Levantar bem cedo, de manhã, domingo, com o pai dormindo até mais tarde, com desculpa de que vai lavar o carro, tirar ele da garagem, jogar uma águinha rapida e ... vamos nós para uma volta no quarteirão. Do quarteirão para a praça mais próxima foi um pulo e daí para um rolé no bairro foi questão de um mês. Mole...

14, 15 anos de idade, e no controle daqueles “bólidos”... Era demais!!!
Lá em cima, no fim do bairro Sion, em Belo Horizonte, tinha estrada para o Clube Teuto-Brasileiro – um clube de alemães – e na estrada a famosa(pra nós, pelo menos) ”curva do Teuto”, que era encardida de fazer de pé em baixo. Tentei algumas vezes mas o Chevrolet era muito pesado e rodava direto. Tinha que aliviar e dar uma freada antes de entrar. O Anjinho, com a Fordona, com pouco peso na trazeira, saia de frente e subia no passeio, toda vez que tentava. O único que fazia com mais velocidade era o GoodTime. O Aero Willys era mais leve e mais potente. Mas fazia no limite. Varias vezes ele rodou.

Aquele domingo o GoodTime atrasou. Não era costume nosso atrasar. Éramos muito pontuais. Já o esperávamos há uns 30 minutos quando ele apareceu.
-Demorei. Meu pai vai viajar pra Divinópolis e eu tive que colocar toda a bagagem no porta-malas.
Dava pra ver que o carro tinha arriado um pouco a trazeira.
Mas como domingo é domingo, fomos dar nosso “sagrado” rolé e, naturalmente, em nosso caminho estava a curva do Teuto. Eu fui primeiro e dei uma rodada daquelas, quase subi no passeio. O Anjinho veio logo após e subiu no passeio. Ficamos esperando o GoodTime na esquina de baixo, para ter uma boa visão do que ele faria.
O Aero entrou todo torto. O Anjinho gritou do meu lado : - Num vai dar, tá muito rápido, ele vai bater no poste!!!
E não deu outra. Enfiou a frente no poste,
Corremos lá.
Tava tudo bem com ele. O carro amassou um pouco o paralama dianteiro direito e o pára-choque. Mas como eram feitos de lataria grossa (não é como atualmente que a lata é uma casca e o resto é plástico), o Aero agüentou bem a porrada.
-Meu pai vai me matar, falou um assustado GoodTime. Como tinha levantado alguma poeira e sujado o carro ele achou melhor ir pra casa logo e jogar uma água, pra melhorar a impressão do automóvel, antes que o pai acordasse.
-Vou falar que bati no muro em frente ao tirar o carro da garagem, que o acelerador agarrou ou a embreagem soltou do meu pé... vou pensar em alguma coisa deste tipo.
E fomos todos pra casa do GoodTime.
Deu tudo errado.
Quem estava lá na porta de casa, em pé, esperando o carro ? O pai, a mãe, as irmãs e mais bagagem no chão.
GoodTime estacionou o carro e desceu. A porta rangeu e fez um barulho de roda de carro de boi ao abrir.
-Que que isto meu filho, que barulho é este? Perguntou o pai.
-Deve ser falta de lubrificação, pai..
O pai rodeou o carro e viu o pára-choque e o paralama amassados:
- E isto aqui? Também é falta de lubrificação? Gritou o velho já emputecendo...
- Não pai, eu dei uma batidinha ali no muro quando eu fui tirar o carro e eu ia te falar...O pai rodeava o carro a procura de novas evidências da batida. Não achou.
-Foi só ali, murmurava o GoodTime...O resto não teve nada, quer ver? E foi tentar abrir a porta trazeira do lado do motorista. Nada. Tentou, tentou, mexeu no pino da tranca e... nada.
Travadinha.
-A fechadura deve ter travado, é só lubrificar... e deu a volta e foi abrir a outra porta trazeira e ...nada. Travada também.
Bom, desculpa de fechadura já não ia colar.
- Vou tentar soltar a porta por dentro, deixa eu pegar umas ferramentas aqui no porta-malas.

Pra que...
Meteu a chave na tranca do porta-malas e...nada do porta-malas se abrir.

(Nota de Esclarecimento: diferentemente dos carros atuais, que são uma casca e não suportam uma batida, os carros antigos eram feitos sobre chassis de ferro. Toda a lataria ficava presa nele. E bastava uma porrada em um lado do chassis para empenar todo o carro. Nada mais estava alinhado. O que parecia uma simples batidinha foi na verdade uma porrada forte, amortecida pelo chassis, que dividiu seu impacto por todo carro.)

GoodTime ainda tentava abrir o porta-malas, abaixado, de quatro, mexendo por baixo do carro, quando seu pai num acesso de puteza tomou distância e lhe deu um tremendo chute na bunda e gritou pra ele:.
“ POOOOSSO VIAJAAAARRRR? AGORA EU TE PERGUNTO : POOOOSSO VIAJAAARRRR ?

Não ficamos ali pra saber a resposta. Eu e o Anjinho cascamos fora.


Este foi um episódio que sempre lembraríamos em nossas farras, anos depois. Era só o GoodTime aparecer e todo mundo :
“ POOOOSSO VIAJAAAARRRR? AGORA EU TE PERGUNTO : POOOOSSO VIAJAAARRRR ?

40 anos depois, todos nós casados, filhos e muitos planos. A vida seguia.
Mas... (tem sempre um “mas” pra acontecer...) E aconteceu.
Repentino...
Muito gordo, e sempre fazendo regime.
E numa mistura de regimes bravos com exercícios físicos além da conta, veio-lhe um infarto aos 52 anos. Em plena academia, com fisioterapeuta e tudo mais ao lado.
Não houve jeito.
Ele era assim. Sempre foi 8 ou 80.
Era pra fazer uma coisa?
Ele fazia. Com mais vontade que todo mundo, como a curva do Teuto.
Se alguém ia conseguir fazê-la, com pé-em-baixo, este alguém era o GoodTime.

GoodTime nos deixou, contra a vontade de todos: seus filhos, mulher e demais parentes, e, infelizmente, contra a nossa vontade.

Parece que foi outro dia mesmo, a missa de sétimo dia.
E agora, GoodTime, pra quem vamos perguntar:
“ POOOOSSO VIAJAAAARRRR? AGORA EU TE PERGUNTO : POOOOSSO VIAJAAARRRR ? “

A resposta ainda está entalada em nossas gargantas, até hoje, sete anos depois:
-Não, não pode não, amigo GoodTime. Tá muito cedo. Fica mais...

segunda-feira, 16 de janeiro de 2012

Vegetarianus (microtexto 140 caracteres)







Ela o abordou, interessada. Conversaram. Disse que gostava de verdura. Coincidência, êle também. Mesmo interesse. Amigos? Não, concorrentes.