sexta-feira, 31 de agosto de 2012

alguns poemas de Antonio Carlos Secchin*...

1- Biografia


O poema vai nascendo
num passo que desafia:
numa hora eu já o levo,
outra vez ele me guia.

O poema vai nascendo,
mas seu corpo é prematuro,
letra lenta que incendeia
com a carícia de um murro.

O poema vai nascendo
sem mão ou mãe que o sustente,
e perverso me contradiz
insuportavelmente.

Jorro que engole e segura
o pedaço duro do grito,
o poema vai nascendo,
pombo de pluma e granito.


2-  Ou


você pode me pisar
que nem confete
você pode me morder
que nem chiclete
você pode me chupar
que nem sorvete
você pode me lanhar
que nem gilete
só não pode proibir
que nem piquete
se eu quiser escapulir
que nem pivete


3- À noite


todas as palavras são pretas
todos os gatos são tardos
todos os sonhos são póstumos
todos os barcos são gélidos
à noite são os passos todos trôpegos
os músculos são sôfregos
e a máscaras, anêmicas
todos pálidos, os versos
todos os medos são pânicos
todas as frutas são pêssegos
e são pássaros todos os planos
todos os ritmos são lúbricos
são tônicos todos os gritos
todos os gozos são santos


4- "Estou ali..."


Estou ali, quem sabe eu seja apenas
a foto de um garoto que morreu.
No espaço entre o sorriso e o sapato
há um corpo que bem pode ser o meu.

Ou talvez seja eu o seu espelho,
e olhar reflete em mim algum passado:
o cheiro das goiabas na fruteira,
o barulho das águas no telhado.

No retrato outra imagem se condensa:
percebo que apesar de quase gêmeos
nós dois somos somente a chama inútil

contra o escuro da noite que nos trai.
Das mãos dele eu recolho o que me resta.
Chamo-lhe de menino. Mas ele é meu pai.


5- Tempo: saída & entrada


No tempo de minha avó,
meu feijão era mais sério.
Havia um ou dois óculos
me espiando atrás
de molduras roídas.
Mas eu era feliz,
dentro da criança
o outono dançava
enquanto pulgas vadias
dividiam os óculos.

Dentro da criança,
as pulgas espiavam
o outono vazio,
dividiam minhas molduras
roídas por óculos vadios.
No tempo de meu feijão
minha avó era mais séria.

* Doutor em Letras pela Universidade Federal do Rio de Janeiro.

sábado, 18 de agosto de 2012

Vida-flor




Houve um tempo,
Um momento incolor, 
Desalento...
Tudo em mim fez passado, cessou,
Pensamento vazio, o inverso do amor....
E o tempo a passar, a passar ... e passou...

Quis jamais que o amor se acabasse,
Mas querer só, não mostra a outra face,
E se não foi meu querer,
Por que haveria o impensável, romper?
Eu não sei, eu não sei, vai saber...

Só depois... bem depois
Sonhei ter lassidão, calmaria.
Frustração,
De quem perde a razão de viver,
Perde via a traçada pro ser, 
Como um cego na rua sem guia,
E sem cão...

Ledo engano.
As agruras mais vis, renitentes,
Aliadas ao medo, parceiro presente,
Nesta luta em que a dor me venceu,
Desigual, arrasou, corroeu,
Derrotou coração persistente...

Desprezível emoção...
Revelou todo lado impotente,
Fez de mim um perdido, um doente,
Por sentir tentação, por ainda te amar,
Ou pedir pra morrer,
Pra poder te alcançar
No infinito possível da mente...

E chegou o pior: solidão.
Oh! parceira invisível de toda paixão,
Que nos mata de dor, frustração,
Que a remove da luz,
Que celebra este breu, 
Que envolveu, submissas,
As Iaras aos mandos de Orfeu...
Fez-se a noite.
E a seu fim,
Foi-se o Eu...

Mas,
Sem querer ou porque,
Ou quem sabe do nada,
Junto ao Sol, novo amor, veio a pino,
Sem medir, se importar em ser fino,
Simplesmente chegou, sem se impor,

Me tirou do estupor,
De menino,
Enrustido, infantil, e fugindo...
Em suas asas o tempo parou...

Meu Coração,
Qual deserto areado, acolheu...
E a semente insistente, brotou,
E se abriu entre espinhos da dor...

Me senti primavera no amor,
Espalhando consigo a beleza,
Trazendo consigo a certeza
Do esquecido e esperado esplendor...

Oh! Quero-me seu...
Paisagem de céu matinal
Verdejantes, seus campos tranqüilos
Coloridos, qual mar de coral,
Ela veio e...
Moldou-se a mim por igual.

Vejo em mim,
Hoje sei,
Velha dor já se foi, descolou,
E o deserto, que um dia foi parte do fim,
Em jardins, resurgiu, floresceu...

quarta-feira, 15 de agosto de 2012

Volta...



Volta.


Volta..
A Primavera canta em mim,
O sol se faz em bom tempo,
Meu coração parece caixa de música,
... e voce longe de mim...



Volta...
Suas mãos longe de mim,
Seu corpo macio e quente,

Longe de mim,
Seu sorriso diferente,

Inebriante e persistente,
Não sorri perto de mim...

Volta...
Quero ser o ser-amado,
Ser o amor, ser seu cuidado,

Ser perdão, ser consolado
Ser o dia ensolarado
Que te acorda nas manhãs...

Volta...
Quero meu lugar marcado

Quero o espaço entre seus braços,
Quero abraços desmedidos,
Com mexidas quadriláteras,
Quiropráticas fluências,
Resistências vãs, intactas,
Nestas fendas cabisbaixas
Nos encaixes perpetrados
Nos embates abstratos,
Nestes prados,
Nestas partes
Nos enfartes
Do prazer...