sexta-feira, 29 de março de 2013

5 anos da morte de Isabela

Há 5 anos, num 29 de março, acontecia uma tragédia, um horror. Muitos dirão que é fato normal, que acontece com frequência. Mas me repulsa pensar assim. Temos que cultuar, para não permitir, para reparar antes, para que possamos nos considerar civilizados.

Para Isabela e (lamentavelmente) muitas outras crianças...
Rodrigo Guimarães Pena

Manchete estampa de horror nossa tela :
Por que(m) matou-se Isabela?

Esvai-se, é a vida.
Fatídico, é o acesso...
Matar é a saída?
Elimina o problema,
A irritação, o cansaço,
E o que eu faço, simplesmente eu faço,
Nem penso, nem meço?

Quiçá foi tino moldado-insano,
Curtido em reverso, faz ano,
Fazendo a mente entorpecida
Exibir  seu perverso,

Toda sua perfídia
Todo o seu mal profano?

Qual feroz animal
Investiria com fúria
Sobre a cria,
Despejaria ira
Forjaria dor
Esmagaria o amor,
Poria um atroz final
Na vida que criara um dia?

Quem perpetuaria tal ato,
Perpassando a armadura da tela,
Atirando sem rumo ao espaço
O amor paterno, o mais  tenro abraço,
Pra também deixar, no chão, em pedaços,
O laço sagrado do sangue ?

Pois este cometeu de todos
O maior engano:
Rompeu, com seu ato,

A sagrada sequência da espécie,
Rescindiu, em falso lhano,

O eterno contrato
A que toda paternidade obedece,


Nasceu neste ser, a besta,
O maldito que se expurga com a prece
Que arresta o que resta de amor
E o transforma em ódio e rancor,
E em seguida apodrece...

Morreu neste ser, sua alma

Sem que nele causasse mais dano,
Morreu neste ser
A centelha que brilha,
O amor de um pai por sua filha,

Morreu neste ser
A parte que o faz racional
E que o Criador, por essencial,
Deu de Si ao humano...

segunda-feira, 25 de março de 2013

Meu pai...

 
 
Domingo, eu estava almoçando, sozinho. Tomava uma taça de vinho. Como sempre faço quando almoço ou janto. Enquanto mastigava a comida, também mastigava pensamentos. Sempre isso. De repente quando fui passar o guardanapo na boca, nao me senti eu mesmo. Era como se o meu pai estivesse fazendo isso por mim. Era como se ele estivesse usando as minhas mãos, a minha boca e quase todos os meus pensamentos. Era ele em mim. Exatamente como ele passava: o guardanapo bem encolhido entre os dedos e deslizando sobre lábios contraídos - um amigo me disse uma vez quando lhe contei sobre meu pai ter morrido.

"O meu pai também morreu, mas sinto como se ele morasse, vivesse em mim". Na época nao dei muita importância aquilo, mas num domingo que se esparramava pelo asfalto, enquanto eu almoçava pude sentir isso bem. Exatamente assim, como se eu fosse apenas uma morada dele. Um corpo emprestado a ele. Pra não desabar, pensei: "pai, já que o senhor é que esta almoçando, se deliciando, no meu lugar...depois, por favor, aproveite e pague a conta, ok? Sorri e voltei a comer. Agora eu era eu mesmo de novo. Mas, na verdade, quem sou eu?

(Reynaldo Bessa)

segunda-feira, 18 de março de 2013

Diadorim, num era...


( Riobaldo, lamuria com um amigo, logo após o fato lastimoso)

 

“Diadorim morreu.

Foi guerra feia, guerra de jagunço doido. Eu tô aqui, vivo. Antes tivesse morrido, diacho!  Nós tavo guerreando em outras banda quando me acontaram. Me deu um tonto na hora. Branquiçô tudo... Me alembrei de tê preguntado pra Diadorim, nas véspa da noite: -Diadorim, tu num acha que todo mundo é doido? Que um só deixa de doido sê é em hora de muita corage, na hora dos coito ou das reza?

 E Diadorim me arrespondeu :

-A gente só deixa de ser doido é nas hora da morte...

Ô trem doido, sô... As lembrança me avem num desespero danado... Berrei até...

-Ai!  Jesus, Jesus, num faz isto, Jesus, num leva Diadorim, Jesus... Diadorim dos buritizar, levado de verde, Diadorim do ouro em frô..

Mai lá no chão duro, cuberto por um pedaço de pano véio, táva o corpo ensangüentado de Diadorim. O seu rosto... du´a beleza que permanecia, mais do que impossivelmente, memo com um pó da palidez, feito coisa de máscra... Os óios, temando em ficá aberto... É ficado assim pra gente num acreditar no que via.  A boca tá seca, os cabelo cheio de sangue apegado nes...

Digo aqui pra mim, assim:  -Num foi, num foi, num é, num fica sendo, Diadorim...

U´a muié levanta o pano e diz : - À Deus dada, a pobrezinha...

-O quê? Pobrezinha? Estarreci na hora...

 Era Diadorim e num era? Era Diadorim no corpo du´a muié.

 As dor não pôde maior do que a surpresa... Foi como um coice de arma atirada, ou coronhada de quina na cabeça... Ele era ela.

Levantei as mão pra me abenzer e... tapei foi um soluçá sem fim.

Enxuguei as lagrima maior. Curvei de dor...

Diadorim, num era home... Diadorim, era muié.

Muié como sór que quenta tudo ou como água que esfria os calor do sór.

Caí de jueio, baxei meus óios e recaí no mercê de sofrer.

Estendi as mão para tocar naquele corpo... e estremeci.

Retirei de vorta, rápido, quais que me incendiando.

Chorei por extenso... e  dei aviso enfezado:

-Enterra este separado dos outro, num aliso de vereda verde, adonde ninguém nunca ache, gritei bem arto...  A muié vortô, recobriu as parte.

Num impurso, bejei os oio, as face... e me acabei na boca. Carinhei os cabelo, cortado rente com tesoura de prata. Haveram de ser cumprido um dia, de dá pra baixo das cintura. Me alevantei pra despedir. Mai num soube o qui dizê e de que nome chamá. Então meus ouvido escutô minha voz dizendo baxinho, de tanta que era a dor:

- Meu amor, ocê num é doida mais; mas eu endoideci pra dois...”

sexta-feira, 8 de março de 2013

Poemas de Alexandre Anastasia - primeira troca


1- PRANTOS E DORES

 
Não me comovem os prantos caudalosos
Nem as grandes corredeiras
Que agridem as pedras mansas, quietas
Mas sofro com a dor que escorre
Lenta, de olhos cansados
Muda, de um peito agredido

Não me incomodam as dores gritadas
Os acordes majestosos
Que alimentam as carpideiras
E sim o sussurro da dor sem idade
Que não sabe se morre ou se nasce
E nos afoga em pesares passados

Não creio em paixões secretas
Falsamente arrebatadas
Que iludem a crença e a ingenuidade
Creio no amor desmedido e declarado
Misturado e confundido
Que será sempre desvendado
Por quem ama e é amado.


 2- COISAS QUE TENHO


 
Tenho um pássaro com o bico de ouro,
e seus ovos não matam minha fome.
Dele o canto não traz conforto,
nem seu vôo algum encanto.

Só meu é esse pássaro, meu tesouro,
que a tantos a inveja consome:
apenas um bico, dourado e torto,
ocultando a miséria com seu manto.

Tenho um cofre seguro, fechado e pesado,
guardando certos momentos,
sejam instantes de gozo,
ou horas de muito medo.

Só meu é esse cofre, sempre trancado,
escondendo meus sentimentos,
a esperar que eu, vitorioso,
encontre afinal o seu segredo.

Tenho um livro bonito, capa de couro,
e não me lembro do nome
do autor há muito morto,
do seu teor nem mesmo um tanto.

Só meu é esse livro, mau agouro,
angústia que nunca some:
sabendo que tenho um horto,
ouvindo da fome o pranto.

Tenho também um sonho obstinado,
sob os lençóis sonolentos,
em busca de algum repouso,
que sempre se vai muito cedo.

Só meu é esse sonho, indecifrado,
a provocar meus pensamentos:
mas se o decifro, vaidoso,
escravo serei de seu enredo...


3- LEMBRANÇAS

 Arrepios de lembrança me remetem,
como relâmpagos pequenos e tardios,
mudos pela distância
em noite de tempestade,
a tempos que não se repetem;
vazios terrenos e baldios,
obra sem relevância
esculpida pela metade.

Em espelhos que não refletem,
não pouse seus olhos serenos e macios,
deite-os em uma instância              
que nos tinha em outra idade;
os sonhos nossos merecem
acordares mais amenos e sadios,
nunca escravos da ânsia
nem reféns da felicidade.



4 - SILÊNCIO
 
Quando
ainda de corpos molhados
suados no silêncio da cama
nos beijarmos - lábios colados
calados em gratidão
ao abraço que nos completa
como ao vaidoso a fama
como a um velho sua neta;

Quando
fumando estendermos o gozo
silencioso trazendo a calma
de tanto desejo alcançado
cansado peito em repouso
pouso de saciada alma
e nos olharmos serenos
sem a tristeza do fado
do enfado ainda menos.

Então
da utopia visitantes
distantes dos lamentos
de tormentos cortantes
teremos nossos momentos
intensos se não constantes
instantes tão comoventes
que palavras não dão ciência
e assim gozaremos silentes
do silêncio a eloqüência .