Um clarão cegou
a todos. Subitamente...
Nada se compara
ao som de uma bomba. A não ser o impacto do deslocamento do ar que provoca.
Fui jogado
contra uma banca de revistas.
Quando comecei
a perceber o mundo, senti uma enorme dor em meus ouvidos, dilacerados.
Estilhaços rasgaram
minha camisa e cortaram minha pele.
A poeira começa
a baixar. Pequenos incêndios, aqui e ali.
Há semimortos
na calçada. Uma chuva de pedaços de qualquer coisa cai sobre nós. Um cheiro de
enxofre e carne queimada toma conta do ambiente.
No meio-fio curto,
algumas sombras hirtas de seres que ainda não tomaram senso do ocorrido, olham
para lugar nenhum.
A praça onde
acontecia o show, larga e convidativamente tranqüila, se estreita e fica
pequena diante do horror ali perpetrado.
Sirenes começam
a ser ouvidas entre gritos e lamentos.
O dia fica
histérico.
Passo as mãos
em meu corpo. Sangue escorre em minha calça, junto ao joelho semiflexionado.
Rasgo a calça
num frenesi louco, esperando encontrar a origem dele. Nada. Não era meu.
Perto de mim há
um corpo estendido. Homem. Seu rosto beija o duro asfalto. Deduzo pela sua
complexão muscular, exibida entre os rasgos da camisa pulverizada, que trata-se
de um jovem. De sua cabeça partida ao meio, brotam suadas trilhas vermelhas, colhidas
por uma dura e indiferente calçada. Antes escuros, seus cabelos estancam manchados,
rubros de insanidade. Tem a idade de meus filhos. Não contenho as lágrimas.
Fico ali olhando hipnotizado, como se quisesse imaginar tudo que ele poderia
ter sido um dia. Penso no pai dele, na mãe, nos irmãos... Choro muito.
É noite.
Espelha o luar na
poça que se forma com o sangue do infeliz, refletindo nela a violência, a miséria
e a solidão daqueles tempos.
Eternas? Até
quando? As vitimas daquela crueldade
arraigada deveriam estar se perguntando em uníssono em seu estertor final.
Chega a
policia.
Enquanto os
rabecões transportam os corpos, muitos aos pedaços, a estatística se preenche
com seu números insensíveis, permanentes, purgados e infindos...
A bomba expô-se
às pessoas, suas vidas e sonhos, e repentinamente, delas levou tudo. Delas não
levará mais nada.
Ao final, riu-se
de todos, cínica.
E infiltrou-se,
um pouco mais, em nosso âmago amargo, patético, morfético, impotente...
Levantei e
caminhei sem rumo, ainda com o ressoar da bomba em meus ouvidos cansados.
-Até quando?
Até quando? – berrei em voz alta...
Parei um táxi e
entrei.
-Me leva
daqui....e desmaiei no banco.