1- Biografia
O poema vai nascendo
num passo que desafia:
numa hora eu já o levo,
outra vez ele me guia.
O poema vai nascendo,
mas seu corpo é prematuro,
letra lenta que incendeia
com a carícia de um murro.
O poema vai nascendo
sem mão ou mãe que o sustente,
e perverso me contradiz
insuportavelmente.
Jorro que engole e segura
o pedaço duro do grito,
o poema vai nascendo,
pombo de pluma e granito.
2- Ou
você pode me pisar
que nem confete
você pode me morder
que nem chiclete
você pode me chupar
que nem sorvete
você pode me lanhar
que nem gilete
só não pode proibir
que nem piquete
se eu quiser escapulir
que nem pivete
3- À noite
todas as palavras são pretas
todos os gatos são tardos
todos os sonhos são póstumos
todos os barcos são gélidos
à noite são os passos todos trôpegos
os músculos são sôfregos
e a máscaras, anêmicas
todos pálidos, os versos
todos os medos são pânicos
todas as frutas são pêssegos
e são pássaros todos os planos
todos os ritmos são lúbricos
são tônicos todos os gritos
todos os gozos são santos
4- "Estou ali..."
Estou ali, quem sabe eu seja apenas
a foto de um garoto que morreu.
No espaço entre o sorriso e o sapato
há um corpo que bem pode ser o meu.
Ou talvez seja eu o seu espelho,
e olhar reflete em mim algum passado:
o cheiro das goiabas na fruteira,
o barulho das águas no telhado.
No retrato outra imagem se condensa:
percebo que apesar de quase gêmeos
nós dois somos somente a chama inútil
contra o escuro da noite que nos trai.
Das mãos dele eu recolho o que me resta.
Chamo-lhe de menino. Mas ele é meu pai.
5- Tempo: saída & entrada
No tempo de minha avó,
meu feijão era mais sério.
Havia um ou dois óculos
me espiando atrás
de molduras roídas.
Mas eu era feliz,
dentro da criança
o outono dançava
enquanto pulgas vadias
dividiam os óculos.
Dentro da criança,
as pulgas espiavam
o outono vazio,
dividiam minhas molduras
roídas por óculos vadios.
No tempo de meu feijão
minha avó era mais séria.
* Doutor em Letras pela
Universidade Federal do Rio de Janeiro.
“Nos demais, todo mundo sabe, o coração tem moradia certa, fica bem aqui no meio do peito, mas comigo a anatomia ficou louca, sou todo coração”. Maiakovski, 1923
sexta-feira, 31 de agosto de 2012
sábado, 18 de agosto de 2012
Vida-flor
Houve um
tempo,
Um momento
incolor,
Desalento...
Desalento...
Tudo em mim
fez passado, cessou,
Pensamento vazio, o inverso do amor....
E o tempo
a passar, a passar ... e passou...
Quis
jamais que o amor se acabasse,
Mas
querer só, não mostra a outra face,
E se não
foi meu querer,
Por que haveria o impensável, romper?
Eu não sei, eu não sei, vai saber...
Eu não sei, eu não sei, vai saber...
Só depois... bem depois
Sonhei
ter lassidão, calmaria.
Frustração,
De quem
perde a razão de viver,
Perde via
a traçada pro ser,
Como um cego
na rua sem guia,
E sem cão...
Ledo
engano.
As agruras mais vis, renitentes,
As agruras mais vis, renitentes,
Aliadas ao
medo, parceiro presente,
Nesta
luta em que a dor me venceu,
Desigual, arrasou, corroeu,
Derrotou coração persistente...
Derrotou coração persistente...
Desprezível emoção...
Revelou
todo lado impotente,
Fez de
mim um perdido, um doente,
Por sentir
tentação, por ainda te amar,
Ou pedir pra morrer,
Pra poder te alcançar
Pra poder te alcançar
No
infinito possível da mente...
E chegou o pior: solidão.
Oh! parceira
invisível de toda paixão,
Que nos
mata de dor, frustração,
Que a remove
da luz,
Que celebra
este breu,
Que
envolveu, submissas,
As Iaras aos mandos de Orfeu...
Fez-se a noite.
E a seu fim,
Foi-se o Eu...
As Iaras aos mandos de Orfeu...
Fez-se a noite.
E a seu fim,
Foi-se o Eu...
Mas,
Sem querer
ou porque,
Ou quem
sabe do nada,
Junto ao Sol, novo amor, veio a pino,
Sem
medir, se importar em ser fino,
Simplesmente
chegou, sem se impor,
Me tirou do
estupor,
De
menino,
Enrustido,
infantil, e fugindo...
Em suas
asas o tempo parou...
Meu Coração,
Qual
deserto areado, acolheu...
E a
semente insistente, brotou,
E se
abriu entre espinhos da dor...
Me senti
primavera no amor,
Espalhando
consigo a beleza,
Trazendo
consigo a certeza
Do esquecido
e esperado esplendor...
Oh! Quero-me
seu...
Paisagem
de céu matinal
Verdejantes,
seus campos tranqüilos
Coloridos, qual mar de coral,
Ela veio e...
Moldou-se a mim por igual.
Moldou-se a mim por igual.
Vejo em
mim,
Hoje sei,
Velha dor
já se foi, descolou,
E o
deserto, que um dia foi parte do fim,
Em
jardins, resurgiu, floresceu...
quarta-feira, 15 de agosto de 2012
Volta...
Volta.
A Primavera canta em mim,
O sol se faz em bom tempo,
Meu coração parece caixa de música,
... e voce longe de mim...
Volta...
Seu corpo macio e quente,
Longe de mim,
Seu sorriso diferente,
Inebriante e persistente,
Não sorri perto de mim...
Volta...
Quero ser o ser-amado,
Ser o amor, ser seu cuidado,
Ser perdão, ser consolado
Ser o dia ensolarado
Que te acorda nas manhãs...
Volta...
Quero meu lugar marcado
Quero o espaço entre seus braços,
Quero abraços desmedidos,
Com mexidas quadriláteras,
Quiropráticas fluências,
Resistências vãs, intactas,
Nestas fendas cabisbaixas
Nos encaixes perpetrados
Nos embates abstratos,
Nestes prados,
Nestas partes
Nos enfartes
Do prazer...
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