domingo, 7 de abril de 2013

A Infância e a educação


Prólogo

Ninguém nega o valor da educação e que um bom professor é imprescindível. Mas, ainda que desejem bons professores para seus filhos, poucos pais desejam que seus filhos sejam professores. Isso é a realidade, e que sabemos que  o trabalho de educar é duro, pouco remunerado, pouco valorizado na sociedade, apesar de necessário. E o pior é que permitimos que esses profissionais continuem sendo desvalorizados. Com baixo prestígio social e responsabilizados pelo fracasso da educação, grande parte resiste e continua apaixonada pelo seu trabalho. Me disseram ou li em algum lugar, que no Japão, uma cultura milenar, o Imperador só faz reverência para uma classe de pessoas: a dos professores. Não sei se é verdade mas me parece lógico.
Repensemos nossos papéis, pais, alunos, sociedade, e nossas atitudes, pois com elas demonstraremos o compromisso com a educação que queremos. Aos professores, fica o convite para que não descuidem de sua missão de educar, nem desanimem diante dos desafios, nem deixem de educar as pessoas para serem “águias” e não apenas “galinhas”. Pois, se a educação sozinha não transforma a sociedade, sem ela, tampouco, a sociedade muda.

Ninguém nasce feito, é conhecendo e experimentando o mundo que nós nos fazemos. Quanto mais conhecer, quanto mais experimentar, mais vamos nos fazer.

Não estamos no mundo simplesmente para se adaptar a ele. Certo que algumas adaptações são necessárias, mas, somente para transformá-lo; e se não é possível mudá-lo de imediato, se seu sonho não acontece com a rapidez que você pensou,  não desista. Use outras possibilidades que tenha à mão, mas não esqueça que sua meta é o seu sonho. Seja persistente.

A democracia e a liberdade, são conquistas, não são doações. Se vocês hoje as tem, outros as conquistaram para vocês. E cabe a vocês fazer que elas alcancem seus filhos e netos, e assim por diante.

Exige permanente conquista de todos e para todos. Todo amanhã se cria num ontem, através de um hoje . Temos de saber o que fomos, para saber o que queremos ser.

                                                                                                                 Paulo Freire

 Infância : Minha mãe, minha primeira professora...


1957. Brumado, distrito de Pitangui, MG.
Todos meus amigos eram mais velhos do que eu. Eu com 5 a 6 anos; eles com 8, 9, 10 ou mais. Brincadeiras como o descer a rua em um cavalo de madeira(vassoura) com ramos de árvore amarrados ao seu final, para fazer o máximo de poeira, imitando os carros e ônibus que passavam na lá na estrada, nadar no açude ou pescar, quando o Tasso podia levar a gente, preenchiam nosso lazer diário, nosso cotidiano. Sempre pelas manhãs, até a hora do almoço.
Á tarde, mamãe tinha mais tempo pra nós, pra mim e Patricia, minha irmã. Depois de colocar meu irmãozinho, bebê ainda, Bráulio, pra dormir, contava histórias e lia pra gente. Comecei a entender as letras e as palavras ainda bem novinho, com uns 3 a 4 anos. Fui me alfabetizando devagarzinho, conhecendo o significado de algumas palavras e a escrever algumas frases. Com 5 anos eu já lia os jornais da capital e o Diario do Oeste, de Pitangui, que papai trazia para casa. Lia catálogos de tecidos, lia receita de médico, lia qualquer coisa que aparecesse pela frente. Ele morria de rir: “Disparou...” dizia pra mamãe. E eu era ávido por este mundo diferente do meu, do cotidiano.
Passei a perceber que à tarde, quando eu ficava em casa, meus amigos não apareciam. Iam pro Grupo Escolar, ter aula. Não havia reparado nisto antes. Passei a reparar. Perguntei a mamãe que me explicou rapidamente. “-Um dia você também vai...” e pronto. O Grupo Escolar ficava do outro lado do muro da Fabrica. Eu ainda não tinha idade para frequentar. Mas percebi que tinha uma inveja danada de meus amigos e das coisas que eles contavam que tinham acontecido lá. Das provas, das notas, e dos livros e cadernos...
Um dia, sem que a Alice, nossa babysitter, percebesse, fugi depois do almoço, e acompanhei meus amigos até a porta do Grupo. Voltei correndo. Mamãe descobriu, ficou brava por eu sair sem lhe falar nada. Passados alguns dias, lá fui eu de novo. Desta vez demorei mais. Fiquei lá fora, vendo os alunos entrarem. Subi em um morrinho que tinha ao lado da escola e de lá pude ver eles sentarem, cada um com sua mesinha, abrir os cadernos, esperar pela entrada da professora, que foi logo escrevendo em uma parede preta, que vim a saber depois, chamava-se quadro-negro. Fiquei muito tempo ali apreciando e reparando as conversas e brincadeiras, as falas da professora, até Alice me achar e me levar pra casa. Naturalmente, mamãe não ficou só nas palavras. Mas tudo bem, valia a pena receber cada palmada. Outras fugas aconteceram. Numa destas vezes, rodei o muro do Grupo e descobri um buraco. Vi alguns meninos saindo de lá. Eles sentaram junto ao muro e acenderam cigarros de caule de xuxu seco. Botaram fogo na ponta e colocaram na boca. Fiquei olhando a cena um bom tempo imaginando por que faziam aquilo e que gosto aquilo teria. Eu via Papai fumando cigarros de maço, mas, às vezes, ele acendia uns feitos de palha, recheados com pedacinhos que ele cortava de um rolo escuro, que tinha um cheiro muito bom. Eu ficava ao seu redor cheirando a fumaça. Muitos funcionários da Fabrica fumavam aquilo também. Mas voltando ao buraco no muro. Se dava pra sair, dava pra entrar. Dia seguinte, comi feito um raio meu almoço, que mereceu um elogio da Alice. Sai correndo e cheguei antes da entrada da turma. Me esgueirei junto ao muro, me atrevi mais um pouco e entrei no Grupo pelo buraco do muro. Já dentro, vi que haviam janelas que davam para um corredor e eram baixinhas, pertinho do chão. Cheguei até a beirada e olhei pra dentro. Sala vazia. Pulei pela janela e entrei. Me escondi ao fundo, ao lado da carteira da última fileira. A turma começou a entrar e alguns, meus amigos, me reconheceram e fizeram piadas sobre meu “esconderijo. Me instalaram nesta mesma ultima carteira, vaga. Me deram folhas de papel e lápis. E lá estava eu, esperando a professora entrar. Ela entrou e não deu por mim. Começou a escrever no quadro-negro e os meninos copiavam o que a professora escrevia. Comecei a copiar também. Depois que escreveu tudo, ela começou a falar o que havia escrito, enquanto todos copiavam. Eu também. De tão concentrado que estava em meus escritos, não reparei que a voz dela foi ficando mais alta, mais alta até que a meu lado a vista se fez de um vestido azul-claro. – “O que temos aqui? Um novo aluno? Você é muito novo, tem quantos anos?” disse a professora me olhando bem de perto. Fiquei sem palavras. Abaixei a cabeça. Ela estendeu a mão e pegou meus escritos. “-Voce tem uma letra bonita e escreveu tudo certinho. Quem te ensinou a ler e escrever?” Sem olhar para a professora, respondi baixinho: “ Mamãe.”

-“E ela sabe que você está aqui?” “Não”. – “É o filho do Sô Afonso e da Dona Marelena, professora,” disseram quase ao mesmo tempo alguns alunos.

“Ah! Sei... Voce pode ficar até acabar de copiar.” A professora olhou pra mim e não disse mais nada.
Saiu da sala. Num instantinho, lá estava a Alice, preocupada e muito brava. “Cê é doido, menino, sumir assim, sem falá nada... já te procurei pelo Brumado todo... Sua mãe tá doida atrás docê.” Completou me puxando pelo braço, sala afora. Cheguei em casa,  minha mãe não esperou nada e tome palmada e castigo. Filha de Dona Isaura, agia como filha de Dona Isaura. E tome mais palmadas. –“Vou falar com seu pai, você vai ver...”  Nem prestei atenção aos xingamentos, nem na ardência de minhas pernas e bunda, com tanta palmada. Enquanto ela xingava e me dava os tapas, eu ficava falando do Grupo, da aula, da professora, tentava mostrar meus escritos, meu primeiro dever de aula... Eu estava super excitado com minhas novas experiências. Aquela noite custei a pegar no sono.
Dia seguinte, o Ciro, meu amigo mais chegado, me chamou para ir à sua casa ver os cachorrinhos que nasceram naquela noite. Ciro era meu melhor amigo e a familia dele morava numa casa perto da nossa. De lá escutei a Alice me berrando pra vir pra casa tomar banho pra almoçar. Demorei ainda mais um pouco e voltei. Entrei pela cozinha e, como sempre fui beliscando as comidas, um pedaço de mandioca, uma linguicinha e outras gostosuras. Ao chegar na sala escutei uma voz diferente. Parei. Escutei mais um pouco. Era mamãe e uma outra voz de mulher. "Conheço aquela voz," pensei... E a voz continuava a falar :
" ...ele ficou lá, sentadinho, copiando e prestando uma atenção danada... Me deu uma pena danada, D.Marelena, de mandar ele embora... E olha que ele não errou nada da lição. Copiou tudo certinho, do jeito que eu escrevi no quadro-negro..."
“É, ele é muito esperto, mesmo. Já sabe ler. E só tem 5 anos, sabe. Lê de tudo. Agora ele quer que o pai dele leve ele pra Fábrica, para aprender a mexer nas maquinas, nos teares... Vê se pode... "
" D.Marelena, que qui a senhora acha de deixar ele ir pra aula? A Alice leva, eu ponho ele na primeira mesinha, e depois da aula a Alice vai lá e busca... Olha, eu trouxe aqui um caderno, lapis e borracha e um livro de história para ele ir lendo. Conversa com Sô Afonso e quem sabe né... manda ele amanhã lá no Grupo. Deixa que nós vamos cuidar bem dele. "
"Tá bom D.Veza, vou falar com o pai dele e amanhã, quem sabe, ele vai. Muito obrigado a Sra.. A Sra. não quer mesmo ficar pro almoço? "
"Brigado, D.Marelena. Fica pra outra vez. Bom dia."
É claro que o dialogo que reproduzi acima não é fiel ao que aconteceu, pois lá se vão 55 anos. Mas o sentido é o mesmo e vocês pode tê-lo como autêntico. Foi ali que fiquei sabendo o nome da dona da voz: D.Veza - ela que seria minha primeira professora. Minha mãe me encontrou na cozinha, depois da saída da D.Veza e viu que eu tinha escutado tudo. “- E aí, quer ir pro Grupo amanhã? D. Veza disse que pode... Olha o que ela trouxe para você...” e me entregou o material. Acho que não respondi nada. Não precisava. O brilho dos meus olhos dizia tudo. Peguei o livro de historias, fui para a varanda e deitei na rede. Mamãe parou do lado e ficou olhando para mim... Seus olhos marejavam. Eu que só tinha olhos para o livro, olhei para ela e vi uma lagrima que insistia em sair e descer rosto-abaixo. Ela sabia que naquele dia se abria para mim uma porta grande a um mundo novo, do qual ela já havia me falado antes. Mas só ela sabia o quanto esta porta e o quanto este novo mundo seriam importantes....

Para mim, aquele mundo dos livros era feito de fantasias e aventuras que preenchiam minha imaginação...
Até hoje.
 

 Rodrigo Guimarães Pena

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