VOLTAS
PARA CASA
Depois
de um dia inteiro de trabalho
voltas
para casa, cansado.
Já
é noite em teu bairro e as mocinhas
de
calças compridas desceram para a porta
após
o jantar.
Os
namorados vão ao cinema.
As
empregadas surgem das entradas de serviço.
Caminhas
na calçada escura.
Consumiste
o dia numa sala fechada,
lidando
com papéis e números.
Telefonaste,
escreveste,
irritações
e simpatias surgiram e desapareceram
no
fluir dessas horas. E caminhas,
agora,
vazio,
como
se nada acontecera.
De
fato, nada te acontece, exceto
talvez
o estranho que te pisa o pé no elevador
e
se desculpa.
Desde
quando
tua
vida parou? Falas dos desastres,
dos
crimes, dos adultérios,
mas
são leitura de jornal. Fremes
ao
pensar em certo filme que viste:
a
vida, a vida é bela!
A
vida é bela
mas
não a tua. Não a de Pedro,
de
Antônio, de Jorge, de Júlio,
de
Lúcia, de Míriam, de Luísa...
Às
vezes pensas
com
nostalgia
nos
anos de guerra,
o
horizonte de pólvora,
o
cabrito. Mas a guerra
agora
é outra. Caminhas.
Tua
casa está ali. A janela
acesa
no terceiro andar. As crianças
ainda
não dormiram.
Terá
o mundo de ser para eles
este
logro? Não será
teu
dever mudá-lo?
Apertas
o botão da cigarra.
Amanhã
ainda não será outro dia.
Não há vagas
O preço do feijão
não cabe no poema. O preço
do arroz
não cabe no poema.
Não cabem no poema o gás
a luz o telefone
a sonegação
do leite
da carne
do açúcar
do pão
O funcionário público
não cabe no poema
com seu salário de fome
sua vida fechada
em arquivos.
Como não cabe no poema
o operário
que esmerila seu dia de aço
e carvão
nas oficinas escuras
- porque o poema, senhores,
está fechado:
“não há vagas”
Só cabe no poema
o homem sem estômago
a mulher de nuvens
a fruta sem preço
O poema, senhores,
não fede
nem cheira
Traduzir-se
Uma parte de mim
é todo mundo:
outra parte é ninguém:
fundo sem fundo.
Uma parte de mim
é multidão:
outra parte estranheza
e solidão.
Uma parte de mim
pesa, pondera:
outra parte
delira.
Uma parte de mim
almoça e janta:
outra parte
se espanta.
Uma parte de mim
é permanente:
outra parte
se sabe de repente.
Uma parte de mim
é só vertigem:
outra parte,
linguagem.
Traduzir-se uma parte
na outra parte
- que é uma questão
de vida ou morte -
será arte?
O preço do feijão
não cabe no poema. O preço
do arroz
não cabe no poema.
Não cabem no poema o gás
a luz o telefone
a sonegação
do leite
da carne
do açúcar
do pão
O funcionário público
não cabe no poema
com seu salário de fome
sua vida fechada
em arquivos.
Como não cabe no poema
o operário
que esmerila seu dia de aço
e carvão
nas oficinas escuras
- porque o poema, senhores,
está fechado:
“não há vagas”
Só cabe no poema
o homem sem estômago
a mulher de nuvens
a fruta sem preço
O poema, senhores,
não fede
nem cheira
Traduzir-se
Uma parte de mim
é todo mundo:
outra parte é ninguém:
fundo sem fundo.
Uma parte de mim
é multidão:
outra parte estranheza
e solidão.
Uma parte de mim
pesa, pondera:
outra parte
delira.
Uma parte de mim
almoça e janta:
outra parte
se espanta.
Uma parte de mim
é permanente:
outra parte
se sabe de repente.
Uma parte de mim
é só vertigem:
outra parte,
linguagem.
Traduzir-se uma parte
na outra parte
- que é uma questão
de vida ou morte -
será arte?
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Seu comentário aguardará o moderador para ser publicado.