O
quarto é simples, quase pobre.
A
mobília antiga contrasta com a cama de casal de armação
metálica, molas e um colchão de espuma.
Duas
mesinhas de cabeceira, mostrando sinais da idade nos descascados do verniz.
A
chama do lampião à querosene, com vidro sujo
e embaciado, se alterna vacilante ao sabor de uma pequena corrente de vento que
insiste em penetrar no lugar.
Ao
fundo, uma janela de caixilhos de ferro carcomidos pelo tempo e dois vidros
trincados, evidenciam contornos do exterior.
Venta.
Duas
árvores rangem se negando a curvar sob a intempérie
que as imola.
Adivinha-se
através delas a inquietude bravia do lugar...
Um
cheiro ácido emanado da terra molhada por uma chuva
medrosa, traduzia a própria dormência em que a natureza
do entorno havia se deixado permear.
A luminosidade dentro do quarto é insuficiente.
A luminosidade dentro do quarto é insuficiente.
O
realce e o brilho da chama provocam sombras nas paredes nuas e encardidas, à
medida que se aprofunda o entardecer.
A
sensação de peso morto contagia o ambiente e a
sensualidade que esteve ali contida não parece mais dar sinais
de existência nos dois corpos nus, saciados, que repousam
na desordem dos lençóis.
O
negrume da noite que se anunciava, preenche rapidamente o cômodo,
aumentando o tom lúgubre que reina.
O
som cantado de uma dobradiça de porta oxidada não
é propriamente um barulho especial naquela espelunca, que
a dona insiste em chamar “Pensão
Familiar”.
Muito
menos o som de passos pesados confundidos com os de passantes apressados no
corredor contíguo ao quarto, que faziam a madeira do assoalho
gemer.
A
chuva aumenta.
Raios
e lampejos pipocam flashes, como se fotografassem o ambiente e de seus
ocupantes.
A
chama do velho lampião serpenteia impotente, e as sombras que marcam as
paredes, iniciam uma dança descompassada com figuras
disformes, numa vã tentativa de acordar os amantes, como se
antevisse o que estava para acontecer.
E,
se não fosse pelo som abafado de quatro estampidos secos,
seguidos, rápidos e precisos, aquele seria mais um mórbido
entardecer ensaiado pelo dia e colhido pela chuva de verão.
Os
corpos não tiveram chance. Foram pegos na surpresa de um
sonho mau.
Bad dream, bad dream...
Espasmos
e gestos contorcidos sinalizaram a reação inútil
aos projéteis de 9mm que os penetrava, dilacerando-os, sem
encontrar a menor resistência.
Lá
fora a tempestade elétrica mostrava sua força.
Um
brotar incessante de sangue começa a manchar os outrora quase
brancos lençóis.
O
assoalho geme novamente, fazendo dueto com as mesmas dobradiças
enferrujadas.
A
chama que se agitara com a abertura da porta e com o vento encanado, quedou-se
finalmente, ereta e suave.
As
sombras, agora, jazem estáticas, quietas,
perfeitas.
Um
trovão na noite, um grito de mulher e uma sirene...
Nada
mais comum de se escutar naquelas paragens, nada mais comum...
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