domingo, 2 de janeiro de 2011

Dilma e Guimarães Rosa

A Presidente citou em seu discurso de posse dois excertos de obras de Guimarães Rosa. Mas não citou o nome do autor.
Um discurso é um texto escrito e lido, e não é uma peça acadêmica, não sofre com as restrições da ABNT. Mas este é peça político-jurídica, que vai para os anais da legislatura brasileira, e deveria ter tratamento semelhante aos do primeiro tipo. Feito, lido e relido por pessoas as mais capazes, passou desapercebido a todos eles esta imperfeição construtiva, fato que pode a principio, pelos leigos, ser comparado a no máximo um esquecimento, quiçá uma indelicadeza, mas que na verdade, se o mesmo ocorresse em uma prova acadêmica, como a que fez recentemente um de seus novos ministros ao se doutorar, ser-lhe-iam tirados pontos preciosos.
Em alto e bom tom diz a Presidente que se “socorria” a um “ poeta da minha terra”. Fantástico. Um poeta. E Minas tem tantos...
Uma analogia igual a esta seria se ela tivesse mostrado um gol do Pele ou de Zico, de Ronaldo ou Ronaldinho, e dissesse simploriamente: “este gol é de um jogador lá da minha terra”. Estaria errada ? Não. O jogador é da sua terra. Mas é qualquer um ? Todos fazem gol assim lá? perguntariam os estrangeiros. Não. Só uns poucos. Aqueles especiais, que aparecem de tempos em tempos.
E João Guimarães Rosa assim o foi. Foi poeta, foi escritor excepcional, mundialmente reconhecido, e foi diplomata também, e se destacou (vide sua participação na embaixada brasileira em Berlin e a lembrança de seu nome entre os judeus na segunda guerra mundial, ao correr risco de vida, junto com sua esposa, e dar abrigo e apoio a vários perseguidos pelo nazismo) – e foi médico. Foi um destes especiais. E deste brasileiro especial foi emprestado, à sua revelia, parte de sua obra magnífica para alguém que, antes de dar exemplo e exaltá-la, pois a obra e o seu autor já deram mostras da sua importância e de sua vida, reconhecidos, pelo mundo todo, se serve dela para ilustrar e exemplificar seu modesto discurso de inauguração.
Lamentando a “distração” cometida, convivemos com o primeiro deslize da Presidente para com um importante mineiro, da terra que ela diz ser “sua terra” .
Me fez recordar um fato narrado pelo grande José Vasconcellos, dos maiores humoristas que o Brasil teve - encontra-se lamentavelmente deixado em esquecimento.
Diz ele em um de seus sketches :

Em 1949, a Radio Nacional apresentava um programa de calouros, tendo como apresentador o inesquecível e não menos famoso Ari Barroso, mineiro de Ubá, como a senhora sabe.
Em dado instante é chamado um rapaz que timidamente diz, ao ser perguntado pelo apresentador, que vai cantar um “sambinha”;
-E qual “sambinha” o senhor vai cantar ?
- “Carela do Brasil”.
-Como é mesmo o nome do “sambinha” ? “Carela do Brasil”?
-É, responde o timido calouro...
- Pois seu fulano, aqui neste programa o senhor não vai cantar o “sambinha” “Carela do Brasil”, ta ouvindo? e enxotou o rapaz de sua presença. E continuou para o auditório e para os radio-ouvintes, justificando seu ato :
-O cara passa anos ralando, aprendendo como se faz musica, letra, harmonia, arranjos etc.. Compõe uma musica que é sucesso mundial e que representa o Brasil aonde se for neste mundo. Pois bem. Aí vem um sujeito da sua terra e na sua cara e diz que vai cantar o seu “sambinha”, “Carela do Brasil?”
Ora, que ele vá cantar lá no raio que o parta.... Aqui não !
Sra. Presidente, reconhecimento é bom, faz bem, e os familiares de JGR agradecem

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Seu comentário aguardará o moderador para ser publicado.