Postei, pois achei fundamental para o entendimento da realidade brasileira, em relação às incongruências, aos malfeitos, às reações exacerbadas, às falsas (legítimas no entender do protagonista) indignações, à forma de governar um país. É simples apesar de parecer que não.
O texto é um pouco longo mas, volto a dizer, necessário...
Uma
das experiências mais perturbadoras que tive na vida foi a de perceber, de novo
e de novo ao longo dos anos, o quanto é impossível falar ao coração, à
consciência profunda de indivíduos que trocaram sua personalidade genuína por
um estereótipo grupal ou ideológico.
Diga
você o que disser, mostre-lhes mesmo as realidades mais óbvias e gritantes,
nada os toca. Só enxergam o que querem. Perderam a flexibilidade da
inteligência. Trocaram-na por um sistema fixo de emoções repetitivas, acionadas
por um reflexo insano de autodefesa grupal.
No
começo não é bem uma troca. O estereótipo é adotado como um revestimento, um
sinal de identidade, uma senha que facilita a integração do sujeito num grupo
social e, libertando-o do seu isolamento, faz com que ele se sinta até mais
humano. Depois a progressiva identificação com os valores e objetivos do grupo
vai substituindo as percepções diretas e os sentimentos originários por uma
imitação esquemática das condutas e trejeitos mentais do grupo, até que a
individualidade concreta, com todo o seu mistério irredutível, desapareça sob a
máscara da identidade coletiva.
Essa
transformação torna-se praticamente inevitável quando a unidade do grupo tem
uma forte base emocional, como acontece em todos os movimentos fundados num
sentimento de “exclusão”, “discriminação” e similares.
Não me refiro, é claro, aos casos efetivos de perseguição política, racial ou religiosa. A simples reação a um estado de coisas objetivamente perigoso não implica nenhuma deformação da personalidade. Ao contrário: quanto mais exageradas e irrealistas são as queixas grupais, tanto mais facilmente elas fornecem ao militante um “Ersatz”(SUBSTITUTO, POREM DE QUALIDADE INFERIOR AO ORIGINAL) de identidade pessoal, precisamente porque não têm outra substância exceto a ênfase mesma do discurso que as veicula.
Não me refiro, é claro, aos casos efetivos de perseguição política, racial ou religiosa. A simples reação a um estado de coisas objetivamente perigoso não implica nenhuma deformação da personalidade. Ao contrário: quanto mais exageradas e irrealistas são as queixas grupais, tanto mais facilmente elas fornecem ao militante um “Ersatz”(SUBSTITUTO, POREM DE QUALIDADE INFERIOR AO ORIGINAL) de identidade pessoal, precisamente porque não têm outra substância exceto a ênfase mesma do discurso que as veicula.
À
dessensibilização da consciência profunda corresponde, em contrapartida, uma
hipersensibilização de superfície, uma suscetibilidade postiça, uma
predisposição a sentir-se ofendido ou ameaçado por qualquer coisinha que se
oponha à vontade do grupo.
No
curso desse processo, é inevitável que o amortecimento da consciência
individual traga consigo o decréscimo da inteligência intuitiva. As capacidades
intelectuais menores, puramente instrumentais, como o raciocínio lógico verbal
ou matemático, podem permanecer intactas, mas o núcleo vivo da inteligência,
que é a capacidade de apreender num relance o sentido da experiência direta,
sai completamente arruinada, às vezes para sempre.
A
partir daí, qualquer tentativa de apelar ao testemunho interior dessas pessoas
está condenada ao fracasso. A experiência que elas têm das situações vividas
tornou-se opaca, encoberta sob densas camadas de interpretações artificiais
cujo poder de expressar as paixões grupais serve como um sucedâneo,
hipnoticamente convincente, da percepção direta.
O
indivíduo “sente” que está expressando a realidade direta quando seu discurso
coincide com as emoções padronizadas do grupo, com os desejos, temores,
preconceitos e ódios que constituem o ponto de intersecção, o lugar geométrico
da unidade grupal.
O mais
cruel de tudo é que, como esse processo acompanha “pari passu” o progresso do
indivíduo no domínio da linguagem grupal, são justamente os mais lesados na sua
inteligência intuitiva que acabam se destacando aos olhos de seus pares e se
tornando os líderes do grupo.
Um
grau elevado de imbecilidade moral coincide aí com a perfeita
representatividade que faz do indivíduo o porta-voz por excelência dos
interesses do grupo e, na mesma medida, o reveste de uma aura de qualidades
morais e intelectuais perfeitamente fictícias.
Não
conheço um só líder esquerdista, petista, gayzista, africanista ou feminista
que não corresponda ponto por ponto a essa descrição, que corresponde por sua
vez ao quadro clássico da histeria.
O
histérico não sente o que percebe, mas o que imagina. Quando o orador gayzista
aponta a presença de cento e poucos homossexuais entre cinquenta mil vítimas de
homicídios como prova de que há uma epidemia de violência anti-gay no Brasil, é
evidente que o seu senso natural das proporções foi substituído pelo
hiperbolismo retórico do discurso grupal que, no teatro da sua mente, vale como
reação genuína à experiência direta.
Quando
a esposa americana, armada de instrumentos legais para destruir a vida do
marido em cinco minutos, continua se queixando de discriminação da mulher, ela
evidentemente não sente a sua situação real, mas o drama imaginário consagrado
pelo discurso feminista.
Quando
o presidente mais mimado e blindado da nossa História choraminga que levou mais
chicotadas do que Jesus Cristo, ele literalmente não se enxerga: enxerga um
personagem de fantasia criado pela propaganda partidária, e acredita que esse
personagem é ele. Todas essas pessoas são histéricas no sentido mais exato e técnico
do termo. E se não sentem nem a realidade da sua situação pessoal imediata,
como poderiam ser sensíveis ao apelo de uma verdade que não chega a eles por
via direta, e sim pelas palavras de alguém que temem, que odeiam, e que só
conseguem enxergar como um inimigo a ser destruído?
A raiz
de todo diálogo é a desenvoltura da imaginação que transita livremente entre
perspectivas opostas, como a de um espectador de teatro que sente, como se
fossem suas, as emoções de cada um dos personagens em conflito. Essa é também a
base do amor ao próximo e de toda convivência civilizada.
A
presença de um grande número de histéricos nos altos postos de uma sociedade é
garantia de deterioração de todas as relações humanas, de proliferação
incontrolável da mentira, da desonestidade e do crime.
Artigo de Olavo de Carvalho (Diário do Comércio)
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