sábado, 23 de janeiro de 2010

Sô Afonso... meu pai.


Hoje, 23 de janeiro meu pai faria 85 anos... Mas quis a vida que ele nos deixasse mais cedo, aos 77 anos, numa manhã de 17 de abril de 2002.

Até hoje eu me esforço para assimilar o que era meu pai para mim. Me pego pensando nele, na sua vida, na nossa vida. Fico buscando coisas fora de mim, no relacionamento, nas nossas discussões, conversas, risos...

E aos poucos, para minha surpresa, vou descobrindo ele dentro de mim, em gestos iguais aos dele que faço sem me dar conta, em situações com meus filhos, em procedimentos pequenos, e penso, cada vez mais, que ele nunca saiu de mim...

Escrevi esta poesia para homenageá-lo, descrevendo um momento que significou muito em nossas vidas.



Sô AFONSO,
do Brumado

(Ou, como a amizade e a solidariedade fazem diferença e deixam recordações em todos que são atingidos por elas)


Transcrito (do jeito que deveria ter sido falado pelo seu velho e grande amigo Arcilino) em 09/03/2007, em dia de homenagem em Brumado de Pitangui, por ocasião da inauguração do Centro Cultural de Brumado, que recebeu o seu nome, e na passagem dos 5 anos de seu falecimento.
Arcelino, coitado, morreu dias antes do evento...
Dizem que foi de emoção...

Ao meu pai, um visionário, com idéias de mudar o mundo,
mas sobrou pra ele, carregá-lo nas costas,
a vida toda....



“ Meus amigo,
Ôcêis num se alembra,
Proquê ocêis tudo é mucho novo...

Mai, foi num 23 de janêro
De mili-novicento-e-vinte-cinco.

Dia assim cumo otro carqué,
Pregunta ao povo intêro...

Dia de trabaiá,
De fazê bico...

Mas num pensava assim
O Cumpadre Chico....

Pra ele, era ispeciár o dia.
Dia de cruzá os dêdo,
Daquêis de fazê vigia...

Lá de dento
Da mudesta moradia,
Vinha uns grito arto.
Arguém gemia...

Maria Rémunda, sua muié,
Cumpanhêra de luta e fé,
Num insforço derradêro,
(tá certo, qui foi num berrêro),
Mas sem ajuda dinfermêra,
Pariu com dor,
De vezada,
Depositando a barrigada,
Nos braço da fiér Parteira,

(Óia, Que pelejou com muito afinco...
Deus-do-Céu,
Que trabaiêra!!)

Mais um,
Pensô o Chico.
Do seus fio, o quinto.
Na cama,
O risurtado inda chorava,
Quando o Chico,
Inrepentino,
Adentrou os quarto,
In-pranto:
Mas deu um sunriso largo,
Ao vê quiera menino:
-Vai se achamá Afonso Arino...
Afonso Arino da Rocha Pena,
Cumpretô de supetã,
Assustando as cumadre
Que tava ali
Assistino a pariçã,

E deu pro resurvido
O pobrema.

...e de noite,
Lá no bar do Zé Muchiba,
Sem ligá pros das intriga,
Nem pros sordado da guarnição,
Bebeu tudo e gritou arto,
Pra alertar os bando de frouxo
Que pudéss aparincê na região:

-É Fio-home, cabra-macho, do saco-rôcho...
E fez questão
De dá pros santo,
Moiada da mió cachaça comprada,
Nas banda do riberão

-Que é pra assegurar distino, falô...

E tomô o resto da branca
De arrancada...

Forte e branquélo,
Era o rebento.
Ôio azur,
Risadatôa...
Apesar dum pôco resmunguento,
Mamou logo nos petcho.
Vida danada de boa.

E por pôco,
Já corria, brincava,
Fazia lambança,
No quintár ou casa adento...
Alegria da vizinhança,
Na piquena Sete Lagôa.

Lá ele cresceu
E instudô...
Até que a famia siamudô
Pra capitár,
(pra ser dôtô, uai!!)

Mas a vida trocô sorte,
E o moço arto e forte,
Gostava mesmo é dinsporte...

Êita,
Do Brasquet ô Volibór...
Jugava cum chuva ô sór,
Jugava quaisque o dia intêro,
Cunquistando inté campeonato.
Campeão Menêro?
Foi quatro.
E tumém foi Brasilêro,
Cumo Ténico e jugador.

Até que lá pelos ido de 49-50,
Foi chamado,
Veja só:
Pra ténico da
Seleçã Feminina
de Volibór.
Ah! Com a garra que Deus deu,
E talento
- nunca vi tanto
Juntô ca fama
- que mereceu-,
E foi disaguar,
Tumá assento,
Cumo ténico de volibór
Du time feminino
Dus Santo,
Santo du Pelé,
(ôceis sabem quem é, né?)

Pro lá ficou uns dois ano..
Inté que a Dona Marelena,
Que passô
Dus Gonçarve pra Pena,
Insposa que era,
Intonce,
Deu sinár de gestaçã...

Diacho !!!
Parlista não, pensô,
Menêro, uai...

-Vamos tratá de pegá os avião, muié...
E de Santo ele pega e sai..

Seadespediur sem fazê cena e
Vortô pro Belorzonte...

...e insperô o fio nascer...

Que nome dá pu menino?

Pensô num monte:
Pedro, Benedito, Getuio...
Ô quim sabe, Juscelino?
Vicente Celestino ?
Era muito baruio...

E tudo mundo invórta
assugeria:
-Põe Francisco,
não, não,
-Põe Zé Maria...

Achei!! pensô cunsigo,
Vai se achamá Rudrigo”,
Ele tema.

E quando viu os parente
Misturando os Jão com José,

Saiu caladinho, deu no pé,
Registrô, cum letra de carta,
No Cartório da Comarca
O nome que tinha fé.

Primeiro da lista, pensô....
Outros envém mais:
-Enquanto eu for capaiz...
Falô firme com o sôgro.

Mas, com sembrante preocupado,
Pruquê tava disimpregado,
-Eu princiso trabaiá, sô...

Sô Juquita, sôgro bacana,
Resorveu, bem na semana:
-Num si apreocupe,
Já tá arrumado:

-Ôcê, Afonso, vai ser Gerente
Lá de uma fabrica do Brumado....

E pro Brumado, o Afonso veio.
Brumado do Pitangui,
Soube adispois por outros meio...

Terra boa, hospitalêra,
Gente humirde, trabaiadêra,

Acoieu êle de forma intêra...
Virou mimo do lugar.

E foi aqui,
Bem neste chão,
Nesta parte da ribêra,
Margiando o rio São João,
Que fez famia,
Fez um lar.

Amigo, intonce, nem se fala...

Cum seu trato caridoso,
Preocupado cum tudo povo,
Ajudava carqué um de carqué jeito,

...e se não desse,
Ia ao Prefeito!!!
Ah!!! Era homem que
Não se cala, sô!!

E enquanto não risurvia,
Num rédava pé da sala,
Fosse noite, fosse dia...

Logo carreou respeito.

E tem mais:
Era amigo leal, dos petcho,
E dos carqué que se apartô,
Num carecia ser letrado,
Pobre ou trabaiador,
Pôco importava...

Digo aôceis qui nem ôiava.

Era ajuda? Pricisão?
Era na hora...ajudava.

Com ele num tinha “nhenhenhe” ou
“Vórta adispois”...

Naum sinhô,
Naum sinhô...

Tava ali ó,
Era o que precisava...

Inté conseio de casório dava.

E num instantinho passado,
De Afonso Arino, Sinhô,
Passou a ser cunhicido e chamado,
Sô Afonso,
Sô Afonso do Brumado.

Pelos empregado da fábrica,
Pelos colega da pescaria
Pelos amigo da cerveja
E inté pros da folia...

Deles, falava muito...ele ria...
-Ah! Tem um tanto, dizia.
Tem o Batista, o Duduca, Dico, o Jair,
O Mozart, Zé Chaves, o Zé Bibi,
Sem esquecê dum amigão, o Arcilino...
(é o véio aqui... me adiscurpe a imocã...)

E pra não incorrer em pecado divino,
Do bondoso e sempre caridoso Padre Guerino.

Peço adiscurpa aos fartante,
Pois a mimória não vai adiante,

Mais sei que tem mais, mutcho mais...
Os amigo tudo, ispiciais...

Gente que se quer tê do lado,
Pras hora da guerra e da paz...

Gente do quilate dum Tasso,
Cabra-macho, cabra-de-aço,
Daquêis que
Quando se pede u‘a mão,
Já vem logo um braço.

E a famia continuô a crescê.

Nasceu u´a menina, a Patríça,
E dois ano adispois,
Otro menino, o Bráulo,

Os dois alegre,
Cum muintcha saúde.

Pro Rudrigo foi diliça,
Uns irmãozin prêle brincá.
Mudô parte da rotina
Que sua vida piquenina
Se encantava de levar.

E pra ajudá Dona Marelena,
Veio a Alice,
Ainda muito pequena,
-Uns doze ano,
Adispois ela mema me adisse,
Mai duma esperteza só,
Parecia inté muié maió...

Veio pra ajudá a tumá conta,
Brincá cum as criança,
Tava sempre pronta...

Otra lasca de tempo, e
Mais uma fia se amostrô,
Deu sinár de nascimento:
-Essa num demora,
Falô Dona Marelena,
Arrumando logo a cama,
Pra esperada menina-Luciana.

Aqui eles tiveram do bom
E do mió.

De manhã, veja só,
Fornada de pão quentin
Com leite frisquin,
Tirado no próprio quintár,
Da vaquinha mais mansinha
Arrumada pelo pessoár...

Fruta, verdura de horta,
Tudo os vizinho culia,
E lembrava, oferecia na porta...
Era coisa natural
Quais tudus dia...

Mas é sabido, mundo afora,
Que o destino num faia: tem hora...

E adispois de tanto tempo,
Morando e vivendo filiz no Brumado
Sô Afonso, foi convocado,
Prum sirviço demarcado...

Num me alembro bem no momento,
Mai era lá na Capitár do Estado.

Assumi uma tár de promoçã...
Recompensa dos serviço bâo,
Prestados nesta terra do Brumado.

Ah!! Nessa hora pesô a dor do
Afastamento...

Dos amigo,
Dos colega de trabaio,
Inté dos jogos de baraio
Ou das festa de casamento.

Nos seus ombro, caiu o mundo..
Coitado ...

E foi cum sufrida imoçã,
Cum os pensamento in
Jisus Crist, NosSinhô,
(in-nomi-du-pai-du-fio-du-insprito-santo)
Sinhô da Terra, do Mar e do Cér profundo,
Que avisou pra tudo mundo,
Da decisã:

Ôiô pros lado,
Meio sem jeito, e contô...

Mas prumeteu logo vortá,
Se cunvidado fosse, é craro:
Cunvite logo feito, né memo?

Pro quê tudo mundo já sintiam
Sardade,
Ao dispedi e abraçá o amigo,
De grande instimação,

Que foi imbora, partiu,
Siguiu camin...

E com ele levô,
Ah!! eu garantcho,
De cada um que ficô,
Mais que abraço de amigo,
A sôdade do irmão...

Mas sei tumém
Que aqui ele deixô,
Além das lágrima do pranto,
As coisa que de mió ele tinha
E que Deus ponhô no seu coração...”

Brigado e
Deus ajudi ôcêis,
Nossinhô, abençôa ôcêis tudo...
Tá bão?

Inté. ”

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